Escolhi Lélis Piedade para iniciar esta série de curiosas investigações sobres os "ilustres desconhecidos" que fazem parte diariamente de nossas vidas, mas que nunca nos damos conta de quem foram ou o que fizeram estes cidadãos.
No caso deste, que dá nome a uma das principais ruas do bucólico bairro da Ribeira, na Cidade Baixa (Salvador/BA), já foi complicado pra começar... Pouca coisa encontrei sobre sua vida, apenas que foi um jornalista, que redigia para o Jornal de Notícias, de Salvador. No entanto, as minhas pesquisas me direcionaram para uma importante passagem da vida deste homem, melhor dizendo, de todos nós brasileiros, a Guerra de Canudos. Mais precisamente do pós-guerra. Acho que poucas pessoas tem noção do massacre que aconteceu em Canudos, comunidade independente que vivia sob as ideias utópicas de Antônio Conselheiro. No auge de sua glória, Canudos chegou a ter 35 mil sertanejos vivendo em seus limites. E no quarto ataque do governo federal à rebelde vila, a cidade de Conselheiro foi arrasada, nem idosos e crianças foram poupados. Mas o que já parecia cruel, ficou ainda pior. Os poucos sobreviventes, especialmente as mulheres, crianças e adultas, foram literalmente arrastadas e forçadas a trabalhar como empregadas domésticas e outras, absurdamente estupradas e largadas em zonas de prostituição. Lembrem-se que eu disse que "meninas" eram essas vítimas. Um repórter chega ao ponto de narrar para o seu jornal que encontrou um "jaguncinha com belos cabelos loiros e olhos azuis" e que a levaria para o Rio, como lembranças de Canudos. E é aí que entra o nosso personagem, que também levou sua "jaguncinha" para casa.
Portanto, a maioria dos jornalistas da época também eram contra as atividades de Conselheiro e sua comunidade, pois, erroneamente, acreditavam que estes defendiam a volta da monarquia. As notícias eram deturpadas de tal maneira, que criaram a imagem de que os pobres e famintos sertanejos eram "inimigos da pátria". Porém Lélis Piedade, através de suas reportagens, denuncia os desmandos do exército, dos coronéis e até de médicos, que se recusavam a atender as mulheres advindas de Canudos. Assim foi criado o Comitê Patriótico da Bahia, afim de prestar assistência beneficente as estas pobres criaturas. O Comitê era dirigido por nosso personagem. Ele conseguiu, assinando vários salvo-condutos, salvar muitas dessas sofridas almas. Não sei, entretanto, se o mesmo ofereceu o tal documento para a "jaguncinha" que tirou à força da mãe, com o intuito de "protegê-la", para não cair na prostituição, segundo ele e outros colegas de profissão. Segue trecho do relatório do Comitê:
“Pelas crianças, porém, notadamente por elas, fizemos tudo o que estava ao nosso alcance. E pesa-nos dize-lo que grande parte dos menores reunidos pela comissão, dentre eles meninas pobres e mocinhas, se achavam em casa de quitandeiras e prostitutas. Foi, pois, para lamentar, a distribuição indevida das crianças, sendo muitas remetidas para vários pontos do Estado e para esta capital, como uma lembrança viva de Canudos ou como um presente.”
Sendo assim, eu poderia me estender com inúmeras histórias deste povo guerreiro, que lutou até o fim, sem nunca se entregar, com muita honra e coragem. Nem a ausência de Antônio Conselheiro, que morrera dias antes de doença, arrefeceu o brio destes bravos homens, que apenas queriam uma condição mais digna para viver. Nada mais que isso, prova disso é que os cadáveres dos soldados e militares, mumificados pela seca, permaneceram intactos, e ficando em seus bolsos, seus valores em dinheiro. A cidade hoje se encontra submersa por uma represa. Mas a realidade pouco mudou. A nova Canudos, município com 15 mil habitantes, é uma das cidades mais pobres da Bahia, segundo trabalho de levantamento da UNEB. Rui Barbosa escreveu sobre o genocídio, em texto pouco conhecido. Segue trecho:
Assim encerro este texto. Até o nosso próximo personagem.
Dica: Veja o filme de Sergio Rezende, Guerra de Canudos. Assista completo no YouTube.
No caso deste, que dá nome a uma das principais ruas do bucólico bairro da Ribeira, na Cidade Baixa (Salvador/BA), já foi complicado pra começar... Pouca coisa encontrei sobre sua vida, apenas que foi um jornalista, que redigia para o Jornal de Notícias, de Salvador. No entanto, as minhas pesquisas me direcionaram para uma importante passagem da vida deste homem, melhor dizendo, de todos nós brasileiros, a Guerra de Canudos. Mais precisamente do pós-guerra. Acho que poucas pessoas tem noção do massacre que aconteceu em Canudos, comunidade independente que vivia sob as ideias utópicas de Antônio Conselheiro. No auge de sua glória, Canudos chegou a ter 35 mil sertanejos vivendo em seus limites. E no quarto ataque do governo federal à rebelde vila, a cidade de Conselheiro foi arrasada, nem idosos e crianças foram poupados. Mas o que já parecia cruel, ficou ainda pior. Os poucos sobreviventes, especialmente as mulheres, crianças e adultas, foram literalmente arrastadas e forçadas a trabalhar como empregadas domésticas e outras, absurdamente estupradas e largadas em zonas de prostituição. Lembrem-se que eu disse que "meninas" eram essas vítimas. Um repórter chega ao ponto de narrar para o seu jornal que encontrou um "jaguncinha com belos cabelos loiros e olhos azuis" e que a levaria para o Rio, como lembranças de Canudos. E é aí que entra o nosso personagem, que também levou sua "jaguncinha" para casa.
Sobreviventes de Canudos |
Portanto, a maioria dos jornalistas da época também eram contra as atividades de Conselheiro e sua comunidade, pois, erroneamente, acreditavam que estes defendiam a volta da monarquia. As notícias eram deturpadas de tal maneira, que criaram a imagem de que os pobres e famintos sertanejos eram "inimigos da pátria". Porém Lélis Piedade, através de suas reportagens, denuncia os desmandos do exército, dos coronéis e até de médicos, que se recusavam a atender as mulheres advindas de Canudos. Assim foi criado o Comitê Patriótico da Bahia, afim de prestar assistência beneficente as estas pobres criaturas. O Comitê era dirigido por nosso personagem. Ele conseguiu, assinando vários salvo-condutos, salvar muitas dessas sofridas almas. Não sei, entretanto, se o mesmo ofereceu o tal documento para a "jaguncinha" que tirou à força da mãe, com o intuito de "protegê-la", para não cair na prostituição, segundo ele e outros colegas de profissão. Segue trecho do relatório do Comitê:
“Pelas crianças, porém, notadamente por elas, fizemos tudo o que estava ao nosso alcance. E pesa-nos dize-lo que grande parte dos menores reunidos pela comissão, dentre eles meninas pobres e mocinhas, se achavam em casa de quitandeiras e prostitutas. Foi, pois, para lamentar, a distribuição indevida das crianças, sendo muitas remetidas para vários pontos do Estado e para esta capital, como uma lembrança viva de Canudos ou como um presente.”
Sendo assim, eu poderia me estender com inúmeras histórias deste povo guerreiro, que lutou até o fim, sem nunca se entregar, com muita honra e coragem. Nem a ausência de Antônio Conselheiro, que morrera dias antes de doença, arrefeceu o brio destes bravos homens, que apenas queriam uma condição mais digna para viver. Nada mais que isso, prova disso é que os cadáveres dos soldados e militares, mumificados pela seca, permaneceram intactos, e ficando em seus bolsos, seus valores em dinheiro. A cidade hoje se encontra submersa por uma represa. Mas a realidade pouco mudou. A nova Canudos, município com 15 mil habitantes, é uma das cidades mais pobres da Bahia, segundo trabalho de levantamento da UNEB. Rui Barbosa escreveu sobre o genocídio, em texto pouco conhecido. Segue trecho:
"Felizes os nossos companheiros, que morreram arrostando os leões; nós acabamos às garras das hienas".
Assim encerro este texto. Até o nosso próximo personagem.
Dica: Veja o filme de Sergio Rezende, Guerra de Canudos. Assista completo no YouTube.
Nossa, Armando!!! Adorei a informação!!!! É muito bom saber a história do nosso bairro. Parabéns pela iniciativa!
ResponderExcluirAmaro Lélis Piedade foi também farmacêutico, formado pela Faculdade de Medicina da Bahia. Trabalhou no Diário de Notícias até 1886 e posteriormenete no Jornal de Notícias. Foi ainda eleito para a Assembleia Estadual Constituinte de 1891, sendo reeleito para outros dois mandatos. Foi secretário do Comitê Patriótico da Bahia e, a pedido de Lindolfo Rocha, apresentou à Assembleia Legislativa o Projeto de Lei para a emancipação do distrito de Jequié do município de Maracás. A Lei recebeu o nº 180 e foi sancionada pelo então governador Luís Viana, em 10 de julho de 1897. Lélis Piedade faleceu em 1908.
ResponderExcluirLuís Fernandes, historiador
Você poderia me fornecer as fontes de que tirou essas informações? Sou historiador, desenvolvo uma pesquisa acadêmica e queria confirmar alguns dados sobre Lélis Piedade. Grato desde já.
ExcluirGenócidio cometido contra um povo sofrido e ignorante de minha terra . O Exército brasileiro vai carregar esta mácula para sempre,
ResponderExcluirGrandes coronéis, tenentes, uma gauchada só, e soldados em geral, armados até os dentes lutando "bravamente" contra o povo pobre e sofrido munidos de pau e pedras e alguma garruchas.
Olá, Adriano, tudo bem?
ExcluirPesquise no Livro: Histórico e Relatório do Comitê Patriótico da Bahia (1897-1901). Nessa obra se encontra algumas relevantes informações sobre Lélis Piedade.
Que formidável,preencheu bastante a minha curiosidade sobre o nome dessa rua...
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